CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
Nascido em pleno período ditatorial, em que a Arte tinha um carácter de Estado e de boicote à expressão livre, António Carmo, entre a década de 60 e 80, despiu todo o pré-conceito de uma sociedade emparedada no sistema político, através de desenhos a tinta da china, que pretendia retratar um mundo que, a seus olhos, se descrevia a preto e branco.
Importa enquadrar o autor, em si mesmo, na Europa e no mundo, à época do início do seu trabalho, como forma de melhor entender e caracterizar a sua obra.
CONTEXTO HISTÓRICO
- As mesmas revoluções que no século XIX enalteceram a Europa no mundo, implementaram em si mesmas a queda de uma falsa superioridade no decorrer do século XX, que convergiu para a Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
- Toda a tragicidade e barbaridade da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), incrementou na memória do Homem a necessidade de reflexão sobre a sua condição e sobre o seu próprio devir.
- A partir da segunda metade do século XX, assiste-se à racionalização e preocupação do homem acerca não só dos avanços tecnológicos e científicos, mas também de questões morais e éticas que definem e caracterizam a democracia, reconhecendo-se na educação e na cultura os princípios básicos da evolução do ser humano. A descolonização do mundo extra-europeu, resume toda esta conjectura de mudança de ideologias e de igualdade de direitos.
- Entre 1933 e 1974, Portugal viveu sob a ideologia do Estado Novo, uma ditadura fascista, que também sentiu a crise mundial, no entanto foi-se mantendo mais ou menos estável devido ao comércio colonial e emigração.
- Fruto das novas ideologias que se faziam sentir, na Europa e no mundo assiste-se em Portugal, entre 1961 e 1974, à Guerra Colonial, que delineou a vida de muitos portugueses que se viram obrigados a combater contra povos africanos para garantir a continuidade da dependência das colónias.
CONTEXTO ARTÍSTICO
- O século XX, no domínio das artes revelou-se num período rico em movimentos e estilos, caracterizando-se como período de radicalização, auto-reflexão e de crítica.
- A actividade artística que desde os finais do século XIX se desprende em relação à sociedade, ideologias, temas e técnicas, ganhando individualidade e independência; acompanha de forma acentuada a evolução social e mental de forma reflectida e crítica, o que leva a que o próprio papel da arte na sociedade e a relação entre ela e o público seja questionado.
- Em Portugal, a Arte, por influência do Estado Novo, seguia os mesmos padrões da de outros países onde vigorava a ditadura, sendo por isso controlada pela censura e manipulada politicamente. Era, portanto, uma arte nacionalista, por imposição do Estado.
- A partir dos anos 50, a evolução do mundo ocidental fez-se sentir em Portugal, de forma clandestina ou integrada no regime, dando indícios de oposição ao regime.
- Nos anos 60 abriu-se a premissa para obras de estudo e de crítica de arte.
- Em 1974, com o 25 de Abril, surgiu finalmente a forma livre de pensar e criar.
CONTEXTO PESSOAL
- António Carmo, nasce em 1949.
- Filho de Pescador e Varina é criado pela Madrinha.
- Desde os 8 anos frequenta os espaços das tertúlias de Lisboa.
- Com 13 anos ingressa na Escola de Artes Decorativas António Arroio.
- Em 1966 entra em contacto com Bailarinos e coreógrafos do Verde Gaio, do qual para além de desenhar os figurinos, vem a integrar o grupo de bailado.
- Ao longo de vários anos tem contacto com várias personalidades das artes, nas mais diversas áreas.
- Em 1970 é mobilizado para a Guerra Colonial na Guiné.
O sonho desfeito de viver no mundo das Artes e o empurrar para a Guerra Colonial, na qual não se revia, contrariando os seus princípios e ideais, levou António Carmo a assumir a sua pintura como acto de revolta e de crítica.
O contacto, desde cedo, com o mundo das artes e com as diversas personagens que o compunham;
o pintor, desenhasse com destreza as vivências de uma sociedade que (com)vivia interiormente com a repressão ideológica.
As influências são da História de um país onde a crise pela liberdade moral está implantada, onde a política empurra para uma Guerra sem sentido, onde a cultura se pretende a favor do Estado e se dissimula em pressupostos de valorização de Deus, Família e Pátria; onde a vida social e económica é privada do bem essencial ao desenvolvimento humano – liberdade de pensamento.
António Carmo, desenha a repulsa pelo seu tempo, de olhos abertos em rostos com expressão de cansaço e dor, de mãos impotentes à força do querer, num apelo ao despertar do ânimo de (re)começar, da força de querer, da agitação dos pensamentos.
Por oposição às ideias aprisionadas da sociedade, os corpos são desenhados e delineados de uma forma expressiva e enérgica, capazes de traduzir dor, sofrimento e cansaço.
Esta primeira fase dos seus trabalhos, engloba-se naquilo a que se pode chamar de Desenho de Intervenção, retratando a ausência da dignidade humana, da superioridade (i)moral percebendo-se nos seus trabalhos:
- A crítica à ideologia do Estado Novo que vigorava em Portugal à época.
- A busca de influências culturais por oposição à estagnação que se fazia sentir na Arte, pelo facto da imposição de uma arte nacionalista. A influência do Cubismo faz-se presente em alguns trabalhos, pela geometrização das formas.
- A exaltação da liberdade. A dicotomia vivida na Guiné, na luta inconformada contra um povo que pretendia a sua independência, e premente necessidade de liberdade ideológica enquanto português.